segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Bundas & Bocas: a ficha ainda não caiu!





por Sylvio Carlos Galvão



O maior espetáculo da Terra – o Carnaval no Brasil  -  teve um duro golpe na manhã de hoje, 7 de fevereiro de 2011: um incêndio destruiu parte da Cidade do Samba, no Rio de Janeiro, local que concentra barracões das escolas de samba do Grupo Especial da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa). Três escolas – Grande Rio, União da Ilha e a tradicionalíssima Portela - tiveram quase totalmente destruídas suas alegorias para o Carnaval deste ano na Marquês de Sapucaí, avenida para onde o mundo todo se foca na efeméride momalesca.

Sobre o incidente, a mídia televisiva deu pouca importância pela manhã, o que não se pode compreender facilmente, uma vez que a TV aberta fatura todos os anos milhões de reais com as transmissões do Carnaval na avenida carioca, e também no sambódromo paulista. A meu ver, ficou evidente o recuo da mídia diante do “poder do crack” nas comunidades do Rio, e não só lá, obviamente.

Pode parecer estranho esse ponto-de-vista para quem não consegue associar idéias perturbadoras.

Vejamos. Na mesma manhã, enquanto não se falava nada sobre o incêndio, a TV Record, no programa Tudo em Dia, levou ao ar uma matéria que tratava sobre a permanência dos traficantes nos morros ocupados pela megaoperação militar, feita este ano, para sufocar o tráfico nos morros fluminenses. Uma força-tarefa, aliás, marketizada a um tal grau de relevância em favor dos governos, que acabou fechando a porta do tráfico, deixando o rabo pra fora da porta. 


A matéria da TV Record, explorou a impotência do exército, do governo, e a volta do toque de silêncio dos moradores das comunidades, impingida por membros do tráfico que permanecem lá, controlando tudo e cada passo de qualquer interessado em macular-lhe o nome. Sim, o poder paralelo não saiu dos morros nem sob ofensivas bélicas de tanques de guerra e enorme contingente de militares que botaram pra correr os transgressores da lei e da ordem durante a operação midiatizada.

A reportagem da TV Record mostrou que o tráfico escalou pessoas sem antecedentes criminais para continuarem lá com o comércio de drogas e a intimidação da população que nem quis dar entrevistas para a emissora. As pessoas foram fugazes ao ver a equipe de reportagem, ao ponto de um morador dizer que entre a presença do exército e a permanência do tráfico no morro, “tanto faz”, conforme o entrevistado. Um major do exército também foi entrevistado e disse que as forças armadas não podem muito mais do que estão fazendo. Em outras palavras, os suspeitos de hoje são cidadãos insuspeitos. E as “bocas” ficam.

No entanto, o que a reportagem não mostrou mas é uma hipótese efervescente é que, mesmo dentro das polícias presentes no morro, há gente recrutada pelo tráfico por uma razão fortíssima: rola muita grana lá. Só aguardar até que esse assunto venha à tona porque o rabo fora da porta ainda vai ser pisado acidentalmente a qualquer momento. Quem viver verá...

E dentro deste contexto que escolhi o título desta crônica, ou crítica, ou texto de opinião, como acharem melhor. As bundas são os ícones do Carnaval brasileiro; as “bocas”, fazem menção às bocas de fumo que persistem em retroalimentar o melhor negócio (ilícito) nos países emergentes.


Voltando costuradamente ao incêndio na Cidade do Samba, Paulo Machado, um dos diretores da escola de samba Grande Rio, perplexo diante das fumaça e cinza da triste manhã, disse:

 “A ficha ainda não caiu”, relatado pelo portal de notícias UOL.

Até o final do dia não se sabia (!) a causa da tragédia. A única hipótese que todos - governo e imprensa - buscavam afastar quando os noticiários começaram a pipocar timidamente pelas emissoras de TV, é que o incêndio tenha sido criminoso, o que não me torna nem um pouco leviano em afirmar que buscar outras causas é um hábito patológico das autoridades brasileiras quando o tráfico está no olho de qualquer furacão. 



Notem, nos próximos dias, quanto é mais fácil culpar um trabalhador voluntário do samba ou a infraestrutura dos barracões por essa tragédia cultural (por sorte ninguém saiu ferido), do que admitir que o fogaréu tem dono, mas sem endereço certo, uma vez que teve que sair correndo do seu reduto, que nem era ali, na Cidade do Samba. 



O Carnaval das belas bundas das belas musas e geniais enredos, se me permitem o lugar-comum, é o show que tem que continuar, a despeito de qualquer rabo que, preso ou solto, sustente a histórica insuficiência do Poder Público em lidar com a questão do crime organizado e admitir que dentro dele mesmo há participação ativa no processo. Seja através das leis carcomidas e decisões judiciais equivocadas, seja através de pessoas que deveriam combater o crime envolverem-se com ele numa relação de amor e ódio.



O que foi decretado esta manhã, para mim, é que bundas e bocas continuem alegrando o povo brasileiro. E um aviso muito claro dos poderes público ao paralelo, e vice-e-versa: crime e castigo são uma via de mão dupla.

Ao povo fica a nítida impressão de que a ficha, realmente, ainda não caiu!






Fonte: www.atrevidax.com
Fotos: Capturadas na Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário